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Violência e ausência de políticas públicas pautam debate sobre Enfermagem

Na tarde desta quarta-feira (25), a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) realizou o seminário “Desafios na Gestão em Saúde: Enfrent...

25/06/2025 17h51
Por: Redação Fonte: Assembleia Legislativa - MS
Profissionais de enfermagem solicitam apoio e afirmam que necessitam de políticas públicas que garantam segurança e valorização
Profissionais de enfermagem solicitam apoio e afirmam que necessitam de políticas públicas que garantam segurança e valorização

Na tarde desta quarta-feira (25), a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) realizou o seminário “Desafios na Gestão em Saúde: Enfrentamento à Violência contra Profissionais de Enfermagem”. Proposto pela deputada estadual Gleice Jane (PT), o evento teve como foco aprofundar o tema e elaborar estratégias para enfrentar e prevenir a violência sofrida por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem no exercício de suas atividades. A iniciativa para a realização do seminário surgiu após solicitação do Conselho Regional de Enfermagem, de sindicatos da saúde e de profissionais da área, que relataram frequentes casos de agressões físicas e verbais, além da sobrecarga de trabalho e do adoecimento emocional, especialmente em unidades de pronto atendimento (UPAs) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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Seminário proposto por Gleice Jane sugere ações contra violência na saúde

Para a parlamentar, o evento é fundamental para debater a violência contra os trabalhadores da enfermagem. “Temos acompanhado esse debate, as denúncias e como as pessoas estão sendo tratadas nesses espaços. Observamos a necessidade de discutir o tema porque enfrentamos duas situações: de um lado, o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa de atendimento imediato; e, do outro, o servidor, que muitas vezes encontra limitações no desempenho de suas funções e acaba sendo atacado por alguém em situação de estresse. Precisamos entender onde está o problema e como resolver essa situação. Notamos uma grande desvalorização do serviço público, e o servidor é o primeiro a ser atacado, como se fosse o responsável, quando essa responsabilidade é da gestão. A população, infelizmente, acaba se revoltando contra o servidor, em vez de cobrar o prefeito ou o secretário de saúde. Nosso objetivo aqui hoje é aprofundar esse debate e entender melhor os motivos das agressões, para que possamos pensar em políticas públicas de proteção ao servidor e, ao mesmo tempo, melhorar o atendimento à população”, destacou Gleice Jane.

O seminário reuniu gestores, representantes de entidades e membros da sociedade civil para debater propostas concretas que promovam ambientes de trabalho seguros, acolhedores e humanizados. Entre os principais temas abordados estiveram o papel da gestão pública na prevenção da violência, as limitações estruturais dos serviços de saúde mental e os efeitos emocionais da rotina profissional.

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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Para Leandro Dias, é preciso discutir estratégias para melhorar o processo

O presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul (Coren-MS), Leandro Afonso Rabelo Dias, explicou as medidas que o conselho tem adotado diante das notificações de violência. “Estamos promovendo essa discussão por meio da Assembleia Legislativa com base nos vários relatos de violência contra os profissionais de enfermagem. Esperamos discutir estratégias para melhorar esse processo, tanto no que se refere à segurança dos profissionais nos ambientes de trabalho quanto no desenvolvimento de políticas públicas que beneficiem também a sociedade. Na maioria das vezes, a violência decorre da insatisfação da população, que acaba se manifestando por meio de agressões físicas ou psicológicas. Esse descontentamento acaba recaindo sobre quem está na linha de frente”, salientou.

Ele ainda sugeriu medidas relacionadas às políticas públicas: “Temos, principalmente, a questão do dimensionamento das equipes de enfermagem, geralmente em número insuficiente para atender a uma demanda muito maior, o que gera sobrecarga. Também há carência de medicamentos, exames e médicos nas unidades, o que contribui para o descontentamento da população, e isso está diretamente relacionado à má gestão de políticas públicas”, apontou o presidente do Coren-MS.

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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"O que nos chama a atenção é a falta de políticas públicas", disse Manoel Carlos

O presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Manoel Carlos Neri da Silva, também abordou a violência contra os enfermeiros. “Esse é um problema que afeta os profissionais de enfermagem e outros profissionais da saúde em praticamente todo o Brasil. O que mais chama a atenção do Cofen e dos conselhos regionais é a ausência de políticas públicas eficazes, tanto na área da saúde quanto na segurança pública, especialmente no aspecto preventivo. Temos registros de violência psicológica, verbal e física, inclusive tentativas de assassinato, ocorridas dentro dos locais de trabalho. É urgente que o poder público, de fato, não apenas discuta o problema, mas também implemente políticas públicas para garantir a segurança no ambiente de trabalho e prevenir essas agressões. Afinal, esse cenário compromete a saúde mental e física dos profissionais de enfermagem, que, geralmente, são os primeiros a atender a população. Trata-se de uma categoria composta majoritariamente por mulheres - cerca de 85% - que estão expostas cotidianamente à violência no ambiente profissional”, explicou.

Manoel Carlos também falou sobre a aprovação de um projeto de lei recente no Congresso Nacional. “Esse projeto agrava as penalidades para quem agride profissionais de saúde no ambiente de trabalho. É um passo importante, mas ainda insuficiente”, opinou. Ele defendeu que a população deve cobrar das autoridades públicas por melhorias na qualidade do atendimento. “Essa culpa não pode ser atribuída ao profissional de enfermagem, que faz um grande esforço para atender a todos da melhor forma possível”, concluiu.

Denúncias e acolhimento

O coordenador da Comissão de Combate à Violência contra a Enfermagem e Acolhimento às Vítimas de Violência, e conselheiro titular do Coren-MS, Wilson Brum, observou o aumento da violência contra os profissionais de enfermagem. “Essa situação tem crescido em todo o Estado e nos preocupa. Assim que os primeiros casos surgiram, criamos essa comissão, com membros em Campo Grande, Dourados e Três Lagoas. Tivemos, recentemente, em Três Lagoas, um técnico de enfermagem que levou uma pedrada na cabeça e precisou levar três pontos. Em Dourados, uma colega fraturou uma costela em uma UPA. No ano passado, um médico foi esfaqueado dentro de uma UBS. Passamos a coletar esses relatos por meio do nosso site, onde há um QR Code para que o profissional informe se já sofreu algum tipo de violência durante o exercício da profissão. Não se trata apenas de violência física, mas também verbal e psicológica. O que mais nos preocupa é o número crescente de familiares revoltados com as más condições de atendimento, que acabam descontando sua frustração nos profissionais de saúde”, afirmou.

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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Evento reuniu gestores, representantes de entidades e membros da sociedade civil

Wilson Brum também explicou como funciona o acolhimento das vítimas. “Temos um canal de contato via e-mail (presidencia@corems.gov.br) e estamos providenciando uma linha telefônica para receber essas denúncias. Um membro da comissão entra em contato com o profissional. O Estado é muito grande, não conseguimos estar em todas as cidades, mas, pelo menos por telefone, conseguimos oferecer apoio. E, quando necessário, nos deslocamos até o local para acolher o colega”, informou o coordenador.

A promotora de Justiça Daniela Cristina Guiotti, coordenadora do Núcleo de Saúde do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, ressaltou: “Até o momento, o Ministério Público Estadual não recebeu nenhuma denúncia formal sobre violência contra enfermeiros. No entanto, estamos atentos às necessidades da população e, nesta audiência, nosso objetivo é identificar as causas da violência e buscar soluções. Campo Grande enfrenta graves problemas de estrutura, como falta de leitos e medicamentos, situação que temos acompanhado por meio de inquéritos civis e ações civis públicas. Acredito que uma medida possível seria acolher o paciente já na chegada, repassando-lhe informações e orientações, a fim de evitar que ele se exalte e cause transtornos no atendimento”, pontuou.

Também participaram do seminário a secretária municipal de Saúde de Campo Grande, Rosana Leite de Mello, e o superintendente do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), Hermeto Macario Amin Paschoalick.

Enfrentamento à violência contra profissionais de saúde

A doutora em Psicologia e pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), Maria Helena Vieira Machado, palestrou sobre os desafios na gestão em saúde. Ela atua em estudos sobre saúde mental, condições de trabalho, e populações indígenas e quilombolas. Sua apresentação, baseada em pesquisas nacionais do Cofen e da Fiocruz, abordou os desafios enfrentados pela enfermagem na Região Centro-Oeste, sobretudo diante da precarização do trabalho e do aumento da violência durante e após a pandemia de Covid-19.

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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Maria Helena ressaltou a essencialidade da enfermagem para o SUS

A palestrante destacou que a enfermagem é composta majoritariamente por mulheres (mais de 80%), com forte presença de profissionais pretos e pardos, além de um número expressivo de indígenas. Segundo ela, a Região Centro-Oeste caminha para a privatização dos serviços. “Durante a pandemia, os vínculos mais comuns foram os estatutários: 39% entre enfermeiros(as) e 53% entre os Trabalhadores Invisíveis (TIS)”, citou.

Os dados apontam que a maioria dos profissionais tem menos de 50 anos, mas 1/5 já apresentava comorbidades antes da pandemia, situação agravada pela Covid longa. “As doenças mais prevalentes são hipertensão, obesidade, doenças pulmonares, cardíacas, depressão e diabetes”, apontou.

As condições de trabalho são marcadas por vínculos precários, terceirização, baixos salários e necessidade de múltiplos empregos, além de infraestrutura inadequada e falta de proteção no ambiente laboral.

Durante a pandemia, metade dos profissionais relatou aumento da intensidade do trabalho devido à ausência de colegas adoecidos ou falecidos. Os efeitos sobre a saúde mental incluem insônia, cansaço extremo, uso crescente de medicamentos e álcool, perda de satisfação com a carreira, medo e solidão. “Os profissionais se sentem sozinhos e desamparados no ambiente de trabalho”, relatou.

Maria Helena ressaltou a essencialidade da enfermagem para o SUS, lembrando que a profissão foi pioneira na inserção das mulheres no mundo do trabalho em saúde e que a pandemia evidenciou essa importância. Dos mais de 3,2 milhões de profissionais de enfermagem no Brasil, mais de 80% são mulheres. Ela alertou para o crescimento de escolas de enfermagem online que formam profissionais em massa, gerando desemprego estrutural e condições de trabalho inadequadas, como pejotização, uberização, cooperativas precárias, subempregos e salários irrisórios.

Por fim, defendeu o enfrentamento à violência e à discriminação social, racial, de gênero e sexual, além da eliminação das disparidades salariais e dos vínculos precários. “A questão de cor, raça e etnia precisa ser considerada uma pauta paradigmática para promover a inclusão social tão necessária e urgente no mundo do trabalho em saúde”, finalizou.

Violência e assédio no trabalho

A procuradora do Ministério Público do Trabalho do Estado (MPT-MS) e especialista em Direito e Processo do Trabalho, Cândice Gabriela Arosio, explanou sobre a violência e o assédio no ambiente de trabalho. A profissional destacou conceitos, causas, exemplos de condutas e consequências para trabalhadores, organizações e agressores.

“O trabalho deveria dignificar o ser humano, mas, infelizmente, para muitos, tem sido fonte de adoecimento mental. No Brasil, esse fenômeno já alcança contornos epidêmicos”, afirmou. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que o número de concessões de benefícios por transtornos mentais mais que dobrou nos últimos dez anos.

Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa - MS
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Cândice Gabriela explanou sobre violência e assédio no trabalho

A profissional destacou a missão que o MPT tem de contribuir na prevenção, na difusão das ideias e na atuação repressiva quando os problemas acontecem. “Porque o ministério público como um todo, tem essa função de promotor de justiça e de ser um MP resolutivo. Nós precisamos dialogar com a sociedade para construir soluções. Contudo, se espera e deve-se valer da atuação repressiva, que é a utilização dos meios que a legislação nos dá, que são as ações civis públicas, no caso do MP estadual, o manejo das ações criminais, eventualmente, para responsabilização quando os ilícitos acontecem. É um engano pensar que, se nós não tivermos um sistema de justiça e uma forma de fazer as penalizações adequadas, nós conseguiremos superar todas as dificuldades que nós temos. Então, nós temos que dialogar e construir soluções alternativas e a pandemia nos mostrou isso. Quando for necessário, temos que ter firmeza o suficiente para poder manejar os instrumentos legais, que são as ações judiciais, buscando o reconhecimento no poder judiciário dessas obrigações, o cumprimento dessas obrigações, e responsabilizando aqueles que não cumprem a sua parte nesse combinado social que é a prestação dos direitos fundamentais", ilustrou. 

A procuradora falou sobre a importância de um ambiente de trabalho saudável. O meio ambiente de trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, e seu equilíbrio depende da salubridade e da ausência de agentes que comprometam a integridade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente do vínculo empregatício. Um ambiente laboral equilibrado é um direito humano fundamental e deve ser protegido pelo Estado e pela sociedade. O trabalho decente, segundo a OIT e a ONU, é aquele produtivo, adequadamente remunerado e exercido em condições de liberdade, equidade e segurança. Deve garantir vida digna, proteção social, respeito à dignidade humana e participação no diálogo social.

“Não podemos nos afastar de nossas responsabilidades quando somos autoridades no assunto. Não podemos justificar um erro por meio de outro. Conclamo as pessoas presentes nesta audiência a refletirem sobre isso e a utilizarem as instituições competentes para denunciar situações de violação, contribuindo para a construção do diálogo social e para a cobrança de ações práticas que promovam a mudança de paradigmas”, destacou a palestrante.

Encerramento 

Após debates e manifestações de profissionais da área, a deputada estadual Gleice Jane encerrou o seminário e destacou que os diversos questionamentos levantados, alguns até em forma de denúncia, serão encaminhados à comissão recém-criada para tratar do tema. Segundo a parlamentar, embora nem todas as questões tenham resposta imediata, o evento representa um ponto de partida e reforça a necessidade de dar continuidade aos debates e às ações práticas.

Gleice Jane ressaltou a importância de se reunir com representantes dos trabalhadores para discutir alternativas e aprofundar a pauta, considerada fundamental para o fortalecimento do serviço de saúde. Para ela, servidores públicos que não são valorizados ou não dispõem de condições adequadas de trabalho dificilmente conseguirão prestar um atendimento de qualidade à população. “Sempre entendo que todo servidor público, se não for valorizado e bem atendido, pode não conseguir atender bem à população. E falo isso como professora também. Se não temos condições adequadas de trabalho, é óbvio que não conseguiremos oferecer um serviço de qualidade. Portanto, essa luta vai além da valorização dos trabalhadores - é uma luta pelo atendimento digno à população, pelo fortalecimento do SUS”, afirmou a parlamentar.

A deputada acredita que esse é um movimento que precisa pautar o governo federal, para que sejam oferecidas melhores condições e implementadas políticas públicas de segurança. Por fim, convocou os participantes a se manterem mobilizados, reforçando que mudanças reais exigem engajamento e esperança. Ela relembrou os tempos em que a sociedade sonhava com uma saúde e uma educação melhores, e ia às ruas para lutar por isso. “Só vamos avançar realmente quando nos manifestarmos e quando lutarmos. Precisamos voltar a sonhar. A gente só vai mudar esse mundo e transformar as relações de poder e de trabalho se acreditarmos que é possível. Nós já tivemos avanços e vamos voltar a sonhar com isso. E isso depende de nós, da nossa mobilização”, concluiu.

Serviço

O evento teve cobertura e transmissão ao vivo pela Comunicação Institucional da Casa de Leis, por meio dos canais oficiais:  siteTV ALEMSRádio ALEMSPortal da ALEMSYoutube  e  Facebook . O seminário pode ser assistido na íntegra no link da TV ALEMS abaixo:

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