A Câmara dos Deputados aprovou projeto que altera regras sobre a regularização de imóveis rurais em áreas de fronteira. O Projeto de Lei 4497/24, do deputado Tião Medeiros (PP-PR), foi aprovado na forma de um substitutivo da relatora, deputada Caroline de Toni (PL-SC). A proposta será enviada ao Senado.
O texto permite a regularização de imóveis rurais em áreas de fronteira com declaração escrita e assinada pelo requerente em substituição a certidões oficiais se não for possível obtê-las diretamente do órgão responsável pela base de dados oficial ou se o órgão passar de 15 dias para responder.
O projeto também autoriza a regularização fundiária de imóveis com mais de 15 módulos fiscais (grandes propriedades) em áreas de fronteira mesmo com processos administrativos em andamento de demarcação de terra indígena com sobreposição de áreas, inclusive de terra indígena tradicionalmente ocupada.
A deputada Caroline de Toni afirmou que, sem a proposta, famílias não conseguem acessar crédito rural, não conseguem indenização justa em casos de desapropriação e ficam com medo de ver seu direito à terra sumir. "Estamos falando de 11 milhões de brasileiros em 11 estados, 16% do território nacional, 588 municípios. Estamos falando de uma necessária segurança jurídica que a gente precisa dar", afirmou.
O projeto, de acordo com a relatora, não flexibiliza o controle, mas aplica a lei com bom senso e justiça. Deputados contrários ao texto alertaram, no entanto, que o resultado poderá ser a regularização de terras griladas e a destruição de áreas florestais.
Regras aprovadas
Segundo a proposta, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) somente poderá emitir certidão positiva, indicando haver justaposição de áreas de terras indígenas em demarcação, quando houver publicação do decreto presidencial homologatório.
Além disso, se uma decisão judicial (uma liminar de juiz, por exemplo) suspender total ou parcialmente o decreto presidencial homologatório, a certidão positiva terá efeitos de certidão negativa para fins de ratificação do registro imobiliário.
A prevalência de decisão judicial suspensiva sobre a controvérsia de domínio também se aplica a imóveis com área de até 15 módulos fiscais (pequenas e médias propriedades).
Para qualquer área de imóvel pendente de ratificação, ela poderá ser feita nos casos de litígios administrativos se o órgão competente emitir certidão comprovando a inexistência de impedimento à regularização.
Unidades de conservação
Em relação aos cartórios de registro de imóveis, o texto proíbe os oficiais de recusarem o registro ou a ratificação de registro imobiliário com base em pretensões fundiárias ainda não formalmente finalizadas, tais como:
As bancadas do PT e do Psol apresentaram destaques para tentar excluir essas regras, mas os destaques foram rejeitados pelo Plenário.
Efeito suspensivo
A recusa do registro somente poderá ocorrer se houver uma decisão judicial com efeito suspensivo do domínio pretendido ou publicação de decreto de homologação da terra indígena.
O cartório de registro deverá comunicar o resultado final do processo de ratificação ao Incra, que deverá fazer a atualização do cadastro de ofício.
Se for impossível ratificar o registro do imóvel seguindo as regras do projeto, o cartório deverá comunicar ao Incra para que o órgão peça o registro do imóvel em nome da União ou do instituto.
Documentos
O texto aprovado pelos deputados lista os únicos documentos que poderão ser pedidos para ratificação do registro. Além da certidão negativa cível, expedida pela Justiça Federal de primeiro e segundo graus, deverão ser entregues certidões negativas de processo administrativo obtidas junto ao Incra e à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU).
O interessado também deverá apresentar o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), emitido pelo Incra para atestar o cumprimento de sua função social; inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR); e lista do Ministério do Trabalho e Emprego da qual não conste o nome do interessado como empregador que submeteu trabalhadores a condições análogas à escravidão.
Mesmo que haja um processo administrativo ou judicial de outra natureza, o órgão deverá apresentar certidão atestando que o domínio não é objeto de questionamento.
No caso da declaração escrita e assinada pelo requerente, na hipótese de declaração falsa o declarante ficará sujeito às sanções administrativas, penais e civis aplicáveis.
Prazo até 2030
Quanto ao prazo para pedir a regularização, o projeto aumenta por mais cinco anos, de 2025 a 2030.
Conforme previsto na Constituição Federal, imóveis com áreas superiores a 2,5 mil hectares dependerão de autorização do Congresso Nacional. Para isso, a tramitação dependerá de requerimento com os documentos citados e, mesmo que a Mesa do Congresso não discipline o procedimento até 2030, a apresentação do requerimento assegura o direito do solicitante de ter sua ratificação analisada.
Já as áreas abaixo desse limite cuja ratificação não seja possível, e desde que não exista interesse público e social no imóvel, poderão ser vendidas por meio de licitação pública.
Sem georreferenciamento
Por outro lado, exigência atual prevista na Lei dos Cartórios ( Lei 6.015/73 ) passa a ser obrigatória somente a partir de 31 de dezembro de 2028 em qualquer situação de transferência de imóvel rural quando de seu registro.
Trata-se da apresentação, nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, de identificação obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) contendo as coordenadas geo-referenciadas.
Outra exceção introduzida é para imóveis de até 4 módulos fiscais. Essa obrigatoriedade adiada para 2028 valerá apenas depois de quatro anos da publicação de decreto do Poder Executivo regulamentando a isenção de custos com esse levantamento de localização para os proprietários com imóveis até essa área.
Outra hipótese de não exigência de georreferenciamento incluída na lei é para os registros de alienação fiduciária em garantia, exceto se o imóvel for para venda em leilão.
História antiga
O problema de posse de terras devolutas em faixas de fronteira remonta ao século 19, quando o Império queria controlar a possível invasão de terras de fronteira por estrangeiros.
Com a criação de uma faixa de fronteira de 100 Km (depois ampliada para 150Km), as terras nessa faixa passaram a ser consideradas da União, e sua venda dependia de aprovação federal. Após a Constituição de 1988, também o Congresso passou a ficar com a incumbência de aprovar a transferência de imóveis maiores que 2,5 mil hectares.
Atualmente, a Lei 13.178/15 disciplina algumas regras para ratificar o registro de terras anteriormente cedidas pelos estados sem seguir os trâmites legais da ocasião. No entanto, as dificuldades de fiscalização e de confirmação de cadeia de domínio em muitas cidades da região de fronteira permitiram o aumento de casos de grilagem que, somados à ocupação tradicional indígena, tornam mais complexo o processo de ratificação de posse das terras.
Debate em Plenário
Durante o debate do projeto em Plenário, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) afirmou que áreas de fronteira deixaram de se desenvolver e investimentos deixaram de acontecer por conta da situação indefinida das faixas de fronteira. "Tem gente com registro de mais de 100 anos. E essas terras não têm segurança jurídica", disse.
Segundo ele, esse é um debate antigo no Rio Grande do Sul. "Essa questão é um ponto negativo para o crescimento das cidades de fronteira, da região de fronteira."
Para o deputado Helder Salomão (PT-ES), a proposta permite que terras habitadas por povos originários sejam registradas por terceiros. "Estamos falando em um ataque às comunidades tradicionais, há uma tentativa de facilitar o registro imobiliário de terras habitadas por povos indígenas e quilombolas", afirmou.
Já o coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou não haver impedimento ou cancelamento de processo de demarcação de terras indígenas. "O que permite é que o proprietário, detentor de boa-fé, tenha a possibilidade de fazer a regularização", disse.
Segundo o coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), o projeto busca regularizar terras griladas e é uma afronta a direitos fundamentais das próximas gerações, por ameaçar áreas ambientalmente importantes. "Não dá para esta Casa passar o trator por cima da legislação que já contemplou o que era possível ser regularizado."
Nilto Tatto afirmou que, ao longo da história, os povos indígenas foram empurrados pela fronteira agrícola do País. "Hoje, de São Borja (RS) ao Amapá, parte desses territórios são terras indígenas que o Estado brasileiro não atendeu o que está na Constituição para demarcar terras", declarou.
Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), o projeto se posiciona somente do lado do produtor rural e desconhece a realidade de áreas em litígio, de preservação ambiental ou que são da União.
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